Prazer, Heloisa Lessa, Dra. em enfermagem obstétrica, parteira.

Das tantas lições que uma filha de professora que se inspirava em Paulo Freire e Maria Montessori uma em especial me marcou: ser igual a todos é fácil. Difícil é ser diferente.

Tive a oportunidade e o privilégio de estudar na mais concorrida universidade da época, a UFRJ. Me formei enfermeira pela Escola de Enfermagem Anna Nery, onde aprendi o cuidado no sentido integral do ser humano. Durante minha formação frequentei escolas de deficientes físicos, fábricas e presídios. E foi ao conhecer a casa onde as mulheres privadas de liberdade ficavam durante a gravidez e o puerpério que me encantei pelo cuidado com mulheres e bebês. Ainda na faculdade, conheci o trabalho do obstetra brasileiro Moyses Pacyornick com as índias Caiguangues no sul do Brasil. Foi o primeiro contato que tive com mulheres indígenas que tanto influenciariam o meu partejar.  

Me formei em 1982 com uma barriga de sete meses de gravidez, e durante minha gestação fui testemunha de cenas horríveis de violência obstétrica. Com 37 semanas e dois dias me submeti a uma cesariana intra-parto com um bebê pélvico. Minha segunda filha, Isabel, nasceu em um parto normal hospital já com base nos preceitos de Leboyer.

Em 1984 comecei a trabalhar com um médico obstetra que também partilhava o paradigma na época do chamado parto de cócoras. Atendemos juntos um total de 650 mulheres da gestação ao pós parto. Aprendi muito nesse período, reconhecer os sinais obstétricos a partir do som, das posições do nível de consciência da parturiente.

Em 1998 fiz minha primeira viajem ao Acre onde conheci o trabalho das parteiras tradicionais da Amazônia. Concomitante recebo de uma amiga o livro Birth Reborn de Michel Odent de alguma forma fui tocada, percebo que entre as parteiras da Amazônia, Pithiviers e Moyses Paciornick estava eu! Foi neste mesmo ano que iniciei meu trabalho como consultora de uma ONG- Saúde sem Limites que atendia a populações indígenas e ribeirinhas no Norte e Nordeste do País.

Minha vida profissional se alternava em alguns períodos ao longo do ano na Amazônia, meus partos hospitalares com o acompanhamento pré natal dessas mulheres e alguns partos domiciliares. Tanto o médico obstetra,  quanto o pediatra me cobriam no caso de necessidade de transferência hospitalar o que praticamente não ocorreu durante os primeiros 5 anos da minha  assistência aos partos domiciliares.

Em 1992 foi a minha vez de parir em casa, nasce meu filho caçula Nóe, em uma linda e transformadora experiência!

Em 1999 cursei a especialização em enfermagem obstétrica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Por lá, encontrei além de conhecimento, enfermeiras obstétricas com o mesmo olhar para o parto e o mesmo desejo de reduzir intervenções. Já no ano seguinte passei a compor o grupo de professores desse curso ministrado na Faculdade de de Enfermagem da UERJ. Segui minha vida acadêmica realizando o mestrado e o doutorado com o tema : a saúde da mulher e a opção pelo parto domiciliar planejado.

No ano 2000, eu era a única parteira que atendia a partos domiciliares numa cidade com uma população na época de 6 milhões de pessoas, o Rio de Janeiro. Numa cultura de violência obstétrica, desrespeitos aos direitos humanos no parto, e uma cultura crescente de cesarianas a opção pelo parto em casa sempre foi recebida pelas famílias como uma verdadeira heresia. Essa construção que se faz a partir das consultas de pré-natal com a mãe , companheiro(a)  são primordiais para a opção pelo parto em casa. Assustador o que essas mães precisam enfrentar para poderem parir da forma que desejam.

Hoje, (2019), trabalho numa Equipe multidisciplinar, Equipe Parto Ecológico, com 8 médicas, 3 pediatras e 11 enfermeiras obstétricas. Nos reunimos desde 2008 mensalmente para debatermos sobre as melhores práticas para acompanhar mulheres e bebês em seus nascimentos. Um dos pilares básicos da Equipe é o respeito a fisiologia por um lado e o respeito a autonomia da enfermeira obstétrica em um trabalho coletivo sem hierarquia.

Hoje o momento no Brasil é de expectativa, e no meu caso, resistência e luta. O que conforta é lembrar que sempre que convocadas essa mães, pais e crianças que nasceram de uma forma mais respeitosa e digna estão prontos para levantarem e irem para as ruas lutar pelo direito das mães e desses bebes por um parto mais digno e respeitoso.

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Muitas mulheres influenciaram a profissional que sou hoje.

As mães que conheci no início da minha carreira quando trabalhei com agentes comunitários na Rocinha, as mulheres das populações indígenas e ribeirinhas do Norte e Nordeste do país quando trabalhei como consultora na ONG Saúde - Sem Limites... Nas expedições pelo país que fiz até 2006 tive a oportunidade de conhecer parteiras de diversas culturas e etnias indígenas. Cada uma com seus segredos, cuidados e tradições. Ouvi como as índias de Iaueretê, divisa da Amazônia com a Colômbia, davam à luz sozinhas em suas casa e só após cerca de 6 horas, caso não se ouvisse o choro do bebê outra mulher mais experiente iria se certificar se a mãe não precisava de alguma ajuda. A privacidade e a intimidade, pontos fundamentais que acredito serem necessários para o trabalho de parto também estava presente no partejar dessa comunidade. 

 
 
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Hoje o Brasil é considerado pela comunidade internacional como uma referência de associação de altas taxas de cesariana com altos índicies de mortalidade materna. De qualquer modo, existe algo em especial na cidade do Rio de Janeiro: é a atividade de um núcleo de pessoas, altamente motivadas- em particular Heloisa Lessa - que agem como catalisadores potenciais para mutações enormes e imprevisíveis. Conseguirão inverter o pêndulo? Se conseguirem, o Brasil ensinará ao mundo inteiro que as crescentes taxas de cesariana são reversíveis. Um número maior de pessoas poderá compreender que em termos de segurança, a prioridade é redescobrir as necessidades básicas da mulher em trabalho de parto e tornar o parto o mais fácil possível.  Heloisa Lessa é uma daquelas que prova que um parto em casa planejado, com uma experiente parteira, pode ser muito mais seguro e saudável para mãe e bebê do que o parto numa maternidade convencional.  

Dr Michel Odent. Obstetrician. Director
Primal Health Research Centre - London. UK 


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Eu nasci com minha vó e
me orgulho muito de algo assim, espero que mais pessoas possam ter essa experiência incrível.
— Julia Lessa, 12 anos

 
 
 
 

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