Movimento meu corpo, minhas regras, nossas escolhas.
Proponente ABENFO- RJ- Entidades e representações envolvidas
O movimento meu corpo, minhas regras, minhas escolhas, organizou-se a partir de uma Ação Civil Pública movida pelo Coren-RJ contra o CREMERJ, Processo n.º 0041307-42.2012.4.02.5101 – 2012.51.01.041307-8, que em 13 de janeiro de 2016, foi julgado na 8ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Tal Ação Civil Pública visava à anulação das Resoluções CREMERJ n.º 265 e 266 de 2012 expedidas pelo Conselho réu por considerá-las com vício de legalidade e constitucionalidade. O Coren-RJ defendeu a anulação uma vez que para a realização de partos domiciliares deve ser assegurada a existência de uma equipe de apoio complementar, onde os profissionais médicos deveriam compor tais equipes multidisciplinares por livre escolha e em defesa da mulher e seu concepto. Ao mesmo tempo as doulas, parteiras e obstetrizes precisavam ter seu acesso garantido nos ambientes hospitalares no acompanhamento dos partos, quando assim for a opção da parturiente, em respeito à Constituição da Republica e a toda a legislação federal e da enfermagem, que inclui parteiras e obstetrizes.
Durante a instrução do processo foram anexados diversos estudos científicos que comprovaram a segurança do parto domiciliar planejado para mulheres e bebes, e todos colocam que a formação de uma equipe multidisciplinar capacitada é uma das prerrogativas principais para a garantia desta qualidade de assistência e segurança para o binômio.
Em 02/08/2012, no início do processo, foi proferida liminar suspendendo os efeitos das citadas Resoluções do CREMERJ. De forma a subsidiar sua avaliação, o juiz da 2ª Vara Federal do Rio de Janeiro aceitou a proposta do Coren-RJ de realização de uma audiência pública, onde profissionais de ambas as partes puderam se colocar a respeito da temática. Imbuído dos conhecimentos adquiridos, em 23/09/2014 foi proferida sentença pelo Juízo da 2ª Vara Federal do Rio de Janeiro julgando PROCEDENTES OS PEDIDOS para anular as Resoluções nº 265/2012 e 266/2012 editadas pelo CREMERJ.
O CREMERJ recorreu com uma apelação para a 2ª instância, e em 25 de agosto de 2015 iniciou o julgamento na 8ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. O relator Desembargador Federal Dr. Guilherme Diefenthaeler foi favorável ao pleito do COREN RJ, proferindo discurso que demonstrava domínio sobre a matéria por ele julgada, contudo, o Desembargador Federal Dr. Marcelo Pereira pediu vista dos autos para decidir e se posicionou contrário ao entendimento esposado pelo COREN RJ, o julgamento foi, portanto, suspenso.
Em 12 de janeiro de 2016 advogados do COREN comparecem ao TRF no intuito de realizar diligências e apresentar memoriais na tentativa de modificar o entendimento dos desembargadores. Assim tiveram oportunidade de falar com a Desembargadora Federal Drª Vera Lúcia Lima, e com a assessora do Desembargador Federal Dr. Marcelo Pereira. Apesar dos esforços do Coren-RJ, em 13 de janeiro de 2016, em voto-vista proferido pelo Dr. Marcelo Pereira, com comentários discriminatórios e de total desconhecimento sobre a profissão de enfermagem, foi dado provimento ao apelo do CREMERJ, já que a Desembargadora Federal Vera Lúcia acompanhou o voto vista, voltando os efeitos das Resoluções por ele editadas.
Vale destacar que se trata de um movimento relevante para a Enfermagem e para a sociedade. De acordo com a Organização Mundial de Saúde a assistência obstétrica deve ter como objetivo a mãe e a criança saudáveis, com o mínimo de intervenções compatíveis com a segurança. Esta abordagem implica que deve haver uma razão válida para se interferir no parto normal, implica ainda, em uma visão do processo de gestar e parir que extrapola os limites da função biológica, valorizando os aspectos sociais e culturais que permeiam este processo, pois são eventos determinantes de profundas transformações nos papeis de mulheres-homens-famílias.
Consoante com as recomendações da OMS e reconhecendo a importância da atuação de enfermeiras obstetras na atenção ao parto e nascimento, o Ministério da Saúde do Brasil tem estimulado a atuação desta profissional nos serviços de atenção obstétrica e neonatal, por meio da publicação de diversas Portarias que legitimam sua atuação no âmbito do SUS.
Entre estas portarias destacam-se a Portaria GM/MS nº. 985, de 06 de agosto de 1999, que cria o Centro de Parto Normal - CPN, no âmbito do Sistema Único de Saúde/SUS, para o atendimento a mulher no período gravídico – puerperal e define que os mesmos podem funcionar apenas com enfermeiras obstetras responsáveis pela atenção ao parto; a Portaria SE/MS nº. 876, de 30 de novembro de 2000, que aprova planos de trabalho de apoio às ações de saúde objetivando a execução do “curso de especialização em enfermagem obstétrica” através das universidades federais reconhecendo a importância de se investir na qualificação de enfermeiras obstétricas no Brasil; e a Portaria nº. 743, de 20 de dezembro de 2005, que padroniza as informações do Laudo para emissão de Autorização de Internação Hospitalar – AIH e define que somente os profissionais portadores de diploma ou certificado de obstetriz ou de enfermeiro (a) obstetra estão autorizados a emitir laudos de AIH para o procedimento código 35.080.01.9 - Parto normal sem distócia realizado por enfermeiro (a) obstetra, reconhecendo a competência da enfermeira obstetra para realização de partos normais no âmbito do SUS.
Destaca-se que revisão sistemática publicada em 2008 na biblioteca Cochrane – entidade de renome internacional no que se refere a evidências científicas em saúde, comprovou que modelos de assistência obstétrica com enfermeiras obstétricas e obstetrizes aumentam as chances de parto vaginal e do início do aleitamento materno e reduzem o número de intervenções como episiotomia, analgesia peridural e parto instrumental.
No Brasil, a Lei Federal do exercício profissional da enfermagem (Lei 7498/86), regulamentada pelo Decreto 94.406/87, dispõe que é competência do enfermeiro obstetra a realização de parto eutócico (de baixo risco), a realização de episiotomia e episiorrafia, quando necessária, e a assistência à mulher no parto distócico até a chegada do médico, dando autonomia a este profissional na assistência ao parto de baixo risco.
Apesar das evidências científicas disponíveis e do arcabouço legal que ampara a atuação de enfermeiras obstétricas no Brasil, esta atuação é ainda muito pequena, em grande parte pelo entendimento equivocado de que a inserção dessas profissionais na atenção à gestação e parto irá tirar o espaço de atuação de médicos obstetras. As enfermeiras obstétricas desenvolvem um conhecimento distinto pautado nas tecnologias não invasivas de cuidado de enfermagem, o que na prática concreta, significa um fazer totalmente diferente da prática médica, isto ameaça a hegemonia do saber médico masculino consolidado desde o século XIX neste país.
Assim, as entidades representativas de médicos pressionam os gestores dos serviços de saúde a não inserirem enfermeiras obstétricas, especialmente na atenção ao parto, porque não querem que as usuárias do SUS aumentem as suas opções de escolhas e que de maneira cidadã, passem a ser protagonistas de seus próprios partos. Quando a defesa desta categoria insiste que a assistência hospitalar ao parto é a única forma segura de assistência, garante o controle sobre o processo de atenção materna e neonatal, pois a gestão e a propriedade dos hospitais privados são de profissionais médicos, assim podem manter as mulheres e outros profissionais como a Enfermagem submetidas as suas regras, sua visão de mundo e sua autoridade. Não querem também aceitar as recomendações da OMS e do próprio Ministério da Saúde do Brasil de hierarquização da assistência obstétrica, na qual é prevista a atuação integrada e multiprofissional, a otimização de recursos e ganhos de qualidade.
Considera-se, portanto, que manter a vigência das Resoluções nº 265 e nº 266 de 2012 do CREMERJ seja um retrocesso, e um impedimento ao surgimento de opções diferentes mas também seguras de assistência, como a experiência de outros países, com melhores resultados que o Brasil.
O “Parto Domiciliar Planejado”, já regulamentado pelo Coren-RJ através do Parecer CTASM 001/2013, que em sua decisão, art. 1º, inciso III e IV, determina:
III - A enfermeira obstétrica e obstetriz deverão definir em conjunto com a mulher e sua família, durante a assistência pré-natal a equipe de referência/instituição, seja para o setor público ou privado, para os casos que necessitem transferência de nível de assistência durante o pré-natal, parto ou puerpério;
IV - A enfermeira obstétrica e obstetriz são responsáveis pela avaliação contínua do risco obstétrico em todo o período de acompanhamento do parto domiciliar planejado, e seu respectivo encaminhamento para a continuidade da assistência e atendimento médico em caso de identificação de risco;
Além de impedir a livre escolha das mulheres, ela acaba por definir o esvaziamento da profissão de enfermagem na assistência ao parto domiciliar, uma vez que profissionais médicos não poderão mais participar das equipes de retaguarda desses grupos, além de estarem intimidadas com as “notificações compulsórias” ao CRM das transferências ocorridas de parto domiciliares e casas de parto.
A Resolução 266/2012 do CREMERJ atinge diretamente profissionais regulamentados pela lei do exercício profissional da enfermagem, tais como parteiras e obstetrizes, impedindo que estas acompanhem as mulheres nas instituições hospitalares.
Dadas as justificativas contextualizadas nos atuais impasses apresentados, emerge a proposta de mobilização social através da construção do movimento “Meu Corpo, Minhas Regras, Nossas Escolhas.” O propósito é organizar manifestações conjuntas dos órgãos que representam as profissões envolvidas e a sociedade civil de forma a divulgar e coibir iniciativas que restrinjam as escolhas das mulheres sobre seus corpos e a atuação profissional por órgãos de classe.
Um grupo de Enfermeiras Obstétricas envolvidas neste campo de atuação tomou a iniciativa de convidar entidades que sentem-se atingidas pela resoluções e um grupo de organização foi constituído com os seguintes integrantes: representantes do Coren , Abenfo, Aben, movimento social de mulheres e doulas decidiram:
1- Participar ativamente das manifestações do dia 08/03/2016, que será realizado na central do Brasil e incluir as demandas levantadas por este movimento, de respeito as escolhas individuais em relação a: onde?, com quem?, e como as mulheres querem parir? Realizar divulgação e comunicação por meio eletrônico em redes sociais Já temos uma página criada na rede social Facebook com mais de duas mil “curtidas”
2- Realizar uma manifestação contra as Resoluções do CREMERJ para o dia 20/03/2016, no final do Leme (Praça Almirante Júlio Noronha), com concentração às 14h. A organização está trabalhando de forma a facilitar o acesso e participação de todos que desejam compor esta manifestação.
Neste sentido solicitamos ajuda financeira para viabilizar material de apoio a manifestação como camisetas, folders explicativos, carro de som, faixas e cartazes, transporte para o local do evento.
Saudações